Amanhã não existe ainda

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Lula abraça Putin

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Ao assistir à parada militar em Moscou, ao lado do líder de uma potência agressora, Lula renega o compromisso da política externa brasileira com a paz.

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Luis Felipe Miguel
mai 09, 2025
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Lula errou ao ir a Moscou.

Os falsos ingênuos dirão que é justo comemorar a vitória da extinta União Soviética na Segunda Guerra Mundial. Recentemente, aliás, os porta-vozes do putinismo no Brasil, como o jornalista Breno Altman, iniciaram uma campanha contra o suposto apagamento da participação fundamental dos soviéticos na luta contra o nazismo.

Não sei se realmente existe tal apagamento – nas produções da indústria cultural ocidental, sim, como sempre, mas também nos livros de história? Seria necessária muita borracha para isso.

Seja como for, os 80 anos do fim da guerra são mero pretexto para os festejos de hoje, cujo ponto alto, convém não esquecer, é uma parada militar. O que Putin quer é romper o isolamento em que se encontra desde que invadiu a Ucrânia, há quase três anos e meio.

Ao ir a seu encontro, Lula objetivamente endossa a agressão contra os ucranianos. Não é preciso ser um expert em política internacional para perceber isso.

Urso lambendo seus filhotes, iluminura do Bestiário de Aberdeen (século XII)

Não é um encontro normal entre chefes de Estado, em que fatalmente se torna necessário trocar afabilidades com todo o tipo de patife. É uma parada militar em um país que a comunidade internacional condena por ter agredido um vizinho.

Quando a guerra entra na discussão, os falsos ingênuos subitamente aderem a teorias sofisticadas. Falam sobre a mistura étnica do Donbass e de outras regiões da Ucrânia oriental, como se conhecessem algo daquilo; citam plebiscitos organizados pela Rússia, como se não fossem fajutos; colocam na conversa a OTAN e a política de cerco adotada pelos Estados Unidos pré-Trump.

Sim, a situação é complexa e há uma boa parcela de responsabilidade dos EUA na escalada do conflito, mas nada disso justifica o apoio a uma guerra de expansão territorial.

Quando a invasão começou e parecia que a Rússia conseguiria um sucesso rápido, motivando aqueles artigos altissonantes do “especialista em geopolítica” Pepe Escobar que são hoje leitura obrigatória nas disciplinas de Teoria e Prática do Vexame em universidades de todo o mundo, não faltaram pessoas à esquerda comemorando alegremente, indiferentes ao sofrimento da população civil.

Quando a coisa encrespou e a resistência ucraniana se mostrou mais forte do que o esperado, teve até quem sugerisse que a Rússia usasse bombas nucleares, para “salvar o mundo de uma terceira guerra mundial”. (Aparentemente, o tuíte depois foi apagado.)

Agora, não se fala nada sobre o fiasco da máquina de guerra russa – que ainda é poderosa o suficiente para evitar uma derrota, mas não consegue alcançar uma vitória.

Os putinófilos de esquerda são, via de regra, neostalinistas. Há uma sobreposição forte entre neostalinismo e simpatia pelo governo Putin.

Acho que tem três fatores que explicam o fenômeno. O primeiro, obviamente, é o maniqueísmo. Uma vez que o imperialismo estadunidense é mau, quem se opõe a ele precisa necessariamente ser bom. Se a OTAN era contra, eu tinha que ser a favor.

E se Zelensky é um oportunista vulgar com simpatias pela extrema-direita, devo aplaudir qualquer um que esteja contra ele.

Deste jeito, a agressão de uma potência com pretensões imperiais deve ser apoiada porque ocorre em oposição a outra potência imperial. Um governante com predisposições fascistas deve ser desculpado porque está em confronto com outro governante fascistoide.

Não sei se vem de fábrica na humanidade, não sei se é produto das narrativas mitológicas com que somos alimentados desde a mais tenra infância, mas o fato é que o maniqueísmo surge quase que espontaneamente. No entanto, ele quase sempre explica muito mal as realidades com as quais nos deparamos.

O maniqueísmo nos dá um lado para o qual torcer, o que parece satisfazer algumas predisposições psicológicas inatas. E, sobretudo, permite que a gente evite confrontar o fato de que, no mundo em que vivemos, muitas vezes a disputa que ocorre não é do mal contra o bem, mas de um mal contra outro.

Não é preciso gostar dos Estados Unidos ou de Zelensky para rechaçar Putin. Isto é tão óbvio que nem precisava ser dito.

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