Amanhã não existe ainda

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O bilionário e a Anticrista

O bilionário e a Anticrista

Para o ideólogo do trumpismo, defesa da paz e do meio ambiente é a grande ameaça global.

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Luis Felipe Miguel
jul 02, 2025
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O bilionário e a Anticrista
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Na semana passada, o podcast de Ross Douthat entrevistou Peter Thiel. Douthat é um jornalista de direita, cujo papel é ser uma voz conservadora no jornal The New York Times, que tem uma linha geral mais liberal. Eu ouço seu podcast de vez em quanto e percebo que ele tem bastante entrada no Vale do Silício, onde Thiel é uma espécie de guru. No episódio que ouvi, foi apresentado como o intelectual de direita mais influente dos Estados Unidos nos últimos 20 anos, “a despeito de ser um bilionário”.

Influente, com certeza. Intelectual? Depende de como a gente define a palavra.

Thiel é conhecido como um dos fundadores do Pay Pal e também como investidor pioneiro no Facebook. Talvez menos conhecida seja a outra empresa que fundou, a Palantir, em que tinha como sócio... a CIA! É curioso alguém que se define como “libertário”, no sentido para onde a direita desvirtuou a palavra, isto é, alguém que defende o menor Estado possível em nome de uma (pretensa) maior liberdade individual possível, se associar a uma agência de espionagem, que é a encarnação do controle estatal sobre as pessoas.

Mas, como dizem os gringos, money talks. Ou, em bom português, a bufunfa manda.

(A Palantir, não custa assinalar, foi recentemente citada por Francesca Albanese, a relatora especial da ONU sobre os territórios palestinos ocupados, entre as grandes empresas que são ativas colaboradoras do genocídio perpetrado por Israel, junto com Microsoft e Amazon.)

Não que esteja sob questionamento a sinceridade com que Thiel abraça a causa. Ele foi, desde cedo, um patrocinador entusiasmado da extrema-direita. Apoia Trump desde sempre, desde o tempo em que os outros oligarcas da big tech – Mark Zuckerberg, Jeff Bezos, até Elon Musk – se faziam de bons moços, ciosos da democracia à americana e das liberdades liberais. Investiu em J. D. Vance quando o hoje vice-presidente ainda não era ninguém. Não ruboriza ao dizer coisas como “Obama é socialista”. Um “socialista de impostos baixos”, mas socialista mesmo assim. Parece um bolsomínion chamando Alexandre de Moraes de comunista.

Thiel é, também, um grande promotor da ideia de criar zonas no mundo liberadas de poder estatal, em que os muito ricos possam mandar como bem entendam. Por isso, é um dos protagonistas do livro de Quinn Slobodian, Capitalismo destrutivo, que mostra como “zonas econômicas especiais”, em que direitos trabalhistas, proteções ambientais e obrigações tributárias estão suspensos, são a realização deste sonho burguês. Há muitas centenas delas pelo mundo. Quase metade, aliás, na China.

Ele é também aquele que defende com maior despudor a ideia de que os bilionários têm o direito de comandar o mundo, pelo simples fato de o serem, como corolário da meritocracia. A concentração da riqueza é necessária e moralmente correta. Mas Thiel não abandona os outros, isto é, todos nós que não somos bons o suficiente para nos tornarmos bilionários. Ele nos tira a possibilidade de interferir nos destinos do mundo, mas garante que seremos felizes nas redes sociais, apostando nas bets, brincando com IA.

A entrevista é longa e curiosa. Mesmo diante de um entrevistador complacente, Thiel tem dificuldade de completar um raciocínio. Seu pensamento é, a um só tempo, muito assertivo, repleto de certezas peremptórias, e vago, tateante, quando é instado a explicar como chegou lá.

O primeiro grande tema da conversa é a tese, defendida há tempos por Thiel, de que a humanidade está “empacada”: o avanço tecnológico não está andando rápido o suficiente. É para ser algo surpreendente, já que o senso comum diz que estamos no vórtice da maior revolução tecnológica de todos os tempos, mas a argumentação do bilionário é pueril.

Estamos estagnados, diz ele, porque os automóveis, aviões e navios de hoje não são mais rápidos do que aqueles dos anos 1970. (Não estou sacaneando, ele fala literalmente.)

Logo depois ele reclama que no segundo filme da série De volta para o futuro, que se passa em 2015, existiam carros voadores – e nós já estamos dez anos além e nossos carros continuam andando no chão.

Longe de mim depreciar De volta para o futuro, que tenho na conta de obra-prima, mas a referência é significativa. Os investidores de tecnologia hoje admirados como “visionários”, como Thiel ou Musk, extraem sua visão de mundo de quadrinhos da Marvel e filmes de ficção científica. É onde encontram o futuro com que sonham e as ferramentas que usam para interpretar a realidade.

O skate voador era muito mais maneiro.

O segundo grande tema da entrevista, às vezes citado com o nome pomposo de “transumanismo”, é a busca da imortalidade. É uma obsessão desses novos bilionários. Eles querem porque querem viver para sempre. Investem em besteiras como criogenia, adotam dietas de restrição calórica extrema, apostam no vampirismo – é verdade, uma técnica de transfusão de sangue dos filhos para os pais, pretensamente rejuvenescedora.

E não basta a imortalidade da alma, em um mundo etéreo, nem mesmo para alguém que se apresenta como tão cristão quanto Thiel. O que eles querem é ficar aqui, neste planeta.

Como escrevi outro dia, é espantoso pensar que essa gente é que foi premiada pela “meritocracia”...

Thiel meio que desdenha a criogenia, embora não se furte a especular se não bastaria reviver a cabeça, como em Futurama (um desenho animado subapreciado). O lance agora é o upload da pessoa para a nuvem.

Como visto, é a ficção científica que comanda.

Nixon se prepara para voltar à presidência nos anos 3000.

De minha parte, sou um grande fã da mortalidade. É boa do ponto de vista individual (certamente chega uma hora em que a gente cansa) e sobretudo coletivo. Já pensaram se os velhos nunca largassem o osso? Aí, sim, o mundo estaria fadado à estagnação que tanto preocupa Thiel.

Mas o mais surpreendente é o terceiro grande tema. Entrevistado e entrevistador conversam longamente – e a sério – sobre a chegada do Anticristo.

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