Universidade e “elitismo”
A acusação de “elitismo” pesa cada vez que se exige desempenho acadêmico fora da zona de conforto.
Quando eu me tornei professor, lá se vão quase 30 anos, cada vez que um estudante era reprovado, ele saia dizendo pelos corredores que você era “carrasco”.
Hoje, ao menos entre os mais politizados, o discurso é diferente. O professor que reprova é “elitista”. O elitismo é exigir, dos estudantes, conhecimentos com os quais eles chegam pouco familiarizados de seus locais de origem.
Pode ter agravantes. Outro dia, me mandaram o vídeo de uma mestranda que acusou a orientadora de “racista” por ter dito que ela precisava dominar a escrita acadêmica.
A mestranda faz uma dancinha dando risada, debochando, enquanto exibe a peça incriminatória: um e-mail direto, mas educado, da orientadora dizendo que havia revisado completamente um artigo da aluna, a fim de que tivesse chance de publicação.
Ela diz que o e-mail reproduzido é o “menos pior”. Difícil acreditar. Por que expor uma pessoa (em seguida é exibida uma foto da professora), com a acusação gravíssima de um crime, e não mostrar uma evidência que realmente sustente seu ponto?)
Do meu ponto de vista, pareceu uma orientadora dedicada, que faz mais do que era sua obrigação, revisando o texto da orientanda.
Só que a mestranda se sentiu ofendida por ter sido instada a aprender algo que ainda não sabia.
Mas não é para isso que instituições de ensino existem?
E não foi para isso que lutamos pela democratização do acesso à universidade? Para que estudantes de diversas extrações sociais pudessem ter acesso a esses saberes todos?
Creio que elitismo, na verdade, é julgar que os rapazes e moças que vêm das classes populares não têm condição de adquirir os conhecimentos que costumam ser privilégio dos dominantes.
Fico com o grande biólogo Stephen Jay Gould, que certa vez, argumentando contra a frenologia e pseudociências semelhantes, escreveu: “Estou menos interessado no peso e nas convoluções do cérebro de Einstein do que na quase certeza de que pessoas de igual talento viveram e morreram nos campos de algodão e nas fábricas”.
Só que os novos Einsteins em potencial nunca vão desabrochar se os espaços de aprendizagem não fizerem sua obrigação, que passa por fornecer caminhos para a aquisição do repertório de saberes já consolidados e também incutir a disciplina intelectual, a disposição para enfrentar (e vencer) dificuldades e estranhamentos, a recusa à acomodação.
O novo pacto de mediocridade que alguns tentam impor no ambiente universitário se traveste de transgressão, mas é profundamente conservador. Seu resultado líquido é manter intocado o monopólio do conhecimento de que as classes dominantes sempre desfrutaram.
Tudo isso com base em um tribalismo de fundo inequivocamente racista, que julga que cada pessoa deve permanecer presa à sua tradição, à sua “ancestralidade”. Não por acaso, as primeiras vítimas deste antielitismo de fancaria são o método científico e o raciocínio lógico, deslocados em favor de “novas epistemologias” – uma expressão bonita, mas que raras vezes significa mais do que um vale-tudo sem rigor, por vezes descambando em formas maldisfarçadas ou mesmo completamente indisfarçadas de misticismo.